Black Mirror: o "ator" sociológico em "A Queda Livre"
Quando Émile Durkeim expõe suas ideias acerca de uma ciência da sociedade baseada nas instituições sociais, provavelmente não considerou o quanto a tecnologia afetaria as relações humanas futuramente. O pensador frances, que junto a Karl Marx e Max Weber, foi um dos pioneiros da Sociologia, que a coletividade influenciava o comportamento dos indivíduos, sendo esta uma instituição irredutível.
Ator social é um termo comum dentro da ciência sociológica, mas é
bem improvável que o termo "ator" tenha sido tão levado ao pé da letra como em A Queda Livre, primeiro episódio da 3ª temporada de Black Mirror. Nesse capitulo acompanhamos uma jovem mulher, em uma realidade onde os parâmetros sociais são medido por sua qualificação nas redes sociais. Quanto maior sua pontuação, maiores sãos prestígios que lhe são oferecidos. Neste sentido, a reputação online (que é medida a cada minuto, em cada ação e dialogo com qualquer pessoa) que é um elemento comum em nossa realidade, adiquire aqui um status monetário. No decorrer da trama percebemos de forma nítida a segregação social que é enveredada de acordo com suas qualificações (definitivamente, nada longe da nossa existência).
Quando falo em ator social é necessário levar em conta que alguns sociólogos possuem definições distintas pra esse mesmo conceito. Se Durkheim pautava o coletivo em detrimento do sujeito, Weber o contraria considerando a estrutura social como um construto justamente do indivíduos em constantes relações.
Nesse entendimento, o ator social em A Queda Livre é um ator em seu ontológico. Para conseguir melhores pontuações em suas relações, os sujeitos se despregam de seus desejos e opiniões, mentem, fingem e anseiam enganar os seus próximos na busca por mais pontos. E esse universo em que as pessoas são obrigadas a retribuirem falsos elogios com sorrisos ainda mais falsos não parece tão distante. E por isso muito provavelmente quem assistiu ao episódio, deve ter sentido um certo receio em pegar o celular.
A verdade é que já vivemos em um mundo assim. Não temos que superficializar nossos sentimentos de forma tão constante como na trama, mas vez ou outras somos obrigados a tal. Já vivemos em um mundo que segrega, e como aponta Pierre Bourdieu, conhecido sociólogo da École de Sociologie du Collège de France, "Os agentes e grupos de agentes são assim definidos pelas suas posições relativas neste espaço. Cada um deles está acantonado numa posição ou numa classe precisa de posições vizinhas (...)".
Sendo ainda mais sincero, por mais assustador que A Queda Livre seja, mesmo com seu final quase emancipador (onde a verdade pode finalmente ser expelida pela protagonista), uma coisa é certa. Se você temeu teve horror a esse universo, abras os olhos, pois a hipocrisia pode estar te dando um belo beijo, porque você já vive nesse mundo!
Refs:
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Memória e Sociedade, 1989. Tradução de: Fernando Tomaz.
DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. In: Durkheim, vida e obra (Os pensadores). São Paulo: Abril Cultural, 1983.
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